• Ética e a descoberta do outro

A temática da ética é hoje abordada por um número crescente de espaços de discussão, eventos e publicações, além de ser destaque em diferentes contextos midiáticos. Por outro lado, isso demonstra que os grupos de pesquisa incentivados anos atrás pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) estão dando frutos, comprovando ter sido correta e estratégica a decisão do conceituado órgão nacional de fomento à pesquisa do Ministério da Educação, de sugerir e patrocinar projetos de pesquisa dos programas de pós-graduação strictu sensu ao longo do País. A ampliação dos debates sobre a ética, em uma sociedade globalizada, capitalista e excludente, põe em evidência o seu inverso: quanto mais se discute a ética, mais vilania, descaso, crueldade, injustiça e corrupção ocorrem. É exatamente este o momento de avaliar os fundamentos eticomorais que fundam a sociedade e nossos atos como indivíduos. Na “sociedade global”, que tem por alicerce o sistema produtor e consumidor de mercadorias, a máxima de Adam Smith, da “moral útil do autointeresse”, continua presente e sua replicação gera exclusão em suas mais variadas formas. Na área jurídica, não é diferente. Nesse contexto, é bastante oportuna a presente obra, organizada pelo professor Aloísio Krohling, coordenador do núcleo temático de pesquisa “Direitos humanos, educação, ética e diversidade”, do Programa de Mestrado em Direitos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Os membros desse grupo reúnem-se semanalmente para debate de temáticas adrede planejadas. O livro foi escrito por jovens pesquisadores que, nos vários capítulos, resgatam a ética a partir da fenomenologia de Edmund Husserl, Martin Heidegger e Emmanuel Lévinas, o que é raro encontrar em livros de filosofia do direito e na análise dos direitos humanos fundamentais em programas de mestrado nessa linha de pesquisa. As análises e reflexões, produto de vários meses de estudos, centram-se, sobretudo, na ética como filosofia primeira e raiz-mãe dos direitos humanos fundamentais em Emanuel Lévinas. Esse pensador judeu (1996-1995), lituano de nascimento e naturalizado francês, ancorado na fenomenologia de Husserl e Heidegger, de quem foi discípulo na década de 1920, e a partir da tradição judaica e talmúdica, defendia que a ética não deveria ser analisada na ótica da ontologia heideggeriana do ser e nem com base na visão kantiana do imperativo categórico do dever-ser. Ele também não aceitava as teorias teleológicas da busca da felicidade de vários matizes teóricos, do grego Epicuro (341-270 a. C.) à ética prática e pragmática muito divulgada na segunda metade do século XX.  A fenomenologia caracteriza-se como método filosófico marcado por atitude reflexiva e pelo rigor descritivo. Defende o retorno à concreticidade da vida e às vivências cotidianas para significação e fundamentação da inteligibilidade. Segundo Jean-Paul Sartre, o fenômeno de “ser” exige a transfenomenalidade do ser, sem que se queira dizer com isso que o ser está oculto por trás dos fenômenos, muito menos que o fenômeno é aparência que remete a um ser distinto. Sartre nos diz que “o ser do fenômeno, conquanto coextensivo ao fenômeno, deve escapar à condição fenomênica – de só existir na medida em que se nos revela – e, por conseguinte, excede e fundamenta o conhecimento que se tem dele”. Como método, portanto, a fenomenologia per se traz consigo inúmeras possibilidades reflexivas, especialmente para o direito e a ética, mas também para outras áreas do conhecimento. Resgatar a ética a partir de Emmanuel Lévinas, tendo a fenomenologia como horizonte de possibilidades, é um trabalho ousado e gratificante. Esse pensador buscou investigar e interrogar, em uma direção filosoficamente inédita, o problema do sentido do ser humano, de sua vida, de suas relações. A ética, para ele, é filosofia primeira, o que significa pensá-la sem a orientação de um saber previamente estabelecido, ou seja, desvinculada da ontologia, concedendo lhe um estatuto filosófico. Lévinas propõe e defende uma “filosofia da alteridade”. E alteridade é sempre aquilo que permanece “outro”, remetendo ao exterior, para lá do alcance de qualquer pensamento objetivante ou intencionalizante. Nesse sentido, a ética exige uma racionalidade própria e deve ser compreendida para além do jogo ontológico das essências. Essa racionalidade implica o desenvolvimento inteligível de uma outra alternativa, distinta daquela que transita entre o ser e o nada, a uma outra sabedoria, que não é a do saber e muito menos a da crença. Esta é a ousadia e a novidade do pensamento do autor. Ao resgatar a ética com base em Lévinas, para quem, diante do outro, sou responsabilidade imediata, explicita-se uma ética como filosofia primeira, como solidariedade. Dessa forma, o pensamento de Lévinas é mais do que necessário no estudo do direito, mormente em razão da necessidade de superação de perspectivas instrumentais e de condutas que expurgam o outro. Escrever sobre essa temática está se tornando um modismo nas áreas de conhecimento e no campo da gestão privada e pública. Corre-se o risco de priorizar a cultura organizacional das empresas e do Estado e criar códigos normativos de conduta para empregados e agentes públicos, olvidando-se a fundamentação teórica que crie de fato uma base sólida para a real efetividade de programas propostos. Diante disso, Ética e a descoberta do outro constitui-se, sem dúvida, uma contribuição nova, rica e valiosa para todos os que se interessam em aprofundar a questão ética relacionada com os direitos humanos fundamentais.

Código: 27570
EAN: 9788562480621
Peso (kg): 0,354
Altura (cm): 21,00
Largura (cm): 15,00
Espessura (cm): 2,06
Especificação
Autor Achille Mbembe
Editora EDITORA CRV
Ano Edição 2010
Número Edição 1

Escreva um comentário

Você deve acessar ou cadastrar-se para comentar.

Ética e a descoberta do outro

  • Disponibilidade: Esgotado
  • R$64,36