O primeiro livro de David Paiva tinha um título tão estranho quanto este: Memórias dos abitantes de Paris. Em que pese a ausência do h, as memórias pelo menos indicavam o teor dos textos e, em certa medida, tranquilizavam o leitor quanto ao seu conteúdo. O livro que o leitor tem em mãos agora é bem mais aberto e, por isso, mais enigmático. O que se pode esperar de algo assim: Como caçar pássaros empalhados? Que pássaros são esses? Partindo do pressuposto de que todo título pode ser uma metáfora ou uma fraude, é de se indagar pelo tipo de expectativa a que ele submete o leitor. Não se trata de um manual de instruções pura e simplesmente. Pode-se supor que esses pássaros são os variados tipos humanos que são eterniza-dos pelo narrador e os meios através dos quais os captura. O trabalho artesanal de empalhamento, a arte da taxidermia, está relacionado à construção e à constituição dos significados. Paiva reúne uma galeria de personagens-tipo, fáceis de serem reconhecidos no dia-a-dia: o porteiro, o político, o médico do interior, o cidadão mal-humorado, a criança alheia aos acontecimentos, o bêbado municipal, a mulher invisível, entre outros. Mas acima de tudo, é um livro que narra, com fina ironia, a crueldade gerada pelo descaso, pelo descuido e pelo individualismo que permeiam as relações humanas. No entanto, também apresenta boas doses de humor, ainda que diante do trágico, deixando transparecer preconceitos, injustiças, ou apenas constatando o descaminho e o desacordo entre as palavras, as coisas e as pessoas. Transgredir as regras da vida comum apresentando-as a partir de perspectivas muito singulares faz de Como caçar pássaros empalhados uma experiência provocadora, à qual, ao contrário de alguns personagens deste livro, podemos reagir de muitos modos, menos com indiferença.