Ladies and gentlemen, senhoras e senhores, por favor, uma salva de palmas para o Homem mais Faminto do Mundo. E não se trata de festival de bizarrices. É filantropia de entidades e homens do bem. Mesmo que tal concurso nos remeta, de modo enviesado, ao conto “O artista da fome”, de Franz Kafka.
Calma, foi apenas o que a mente deste leitor mal-assombrado captou por alguns segundos. Esqueça. Nada, nem mesmo a gincana famélica promovida pelo Rotary, Lyons e a maçonaria de Cromane altera o tom de aparente normalidade entre os condôminos do mundo gourmet. Talvez apenas sofram de um velho mal-estar, coisa banal por estas plagas de “verdades excessivas”: aporofobia – algo como ódio ou desprezo aos feios, sujos e malvados.
Em vez da ausência de sentimentos controlada por um computador, para lembrar Alphaville, filme de Jean-Luc Godard (1965), temos a tibieza do olhar, o distanciamento necessário, talvez sinal de sofisticação dos michis e hanas, altivos e protegidos habitantes de Amaravati, o lugar dos lugares.
“Desse jeito a vida segue, a nova engenharia da felicidade como um bom slogan”. É assim que se vive por aqui. Na dúvida, há o socorro de um personal.
O gosto duvidável e suspeito: “Esse Otávio, tenho dificuldades em lhe dar trinta, ou quarenta anos, ou considerá-lo alguém grã-fino e não somente kitsch. Tem o porte de ministro, a cabeça dois palmos distante do plexo. Talvez eu tenha visto nele a imponência fria dos ombudsmen dos noticiários, mas sua linguagem é clara. E pode não estar à altura de Franco, que é malabarista: quantas mais forem as garrafas de uísque mais invencível com as palavras se torna, porque inconsequente”.
O bom gosto. O cheiro de esnobismo exala nas frases e olhares dos personagens. Precisam firmar o discurso que ergue as guaritas dos condomínios. “Michi, entre. O mundo lá fora já não é conosco”, diz Hana. O pó de gesso maquia o planeta.
E há, sobretudo, a politização da ironia em Sidney Rocha. Politizar a ironia em tempos miseráveis – tempos de angu-de-caroço – é remodernizar a literatura, sem carecer de afetação ou mungangas de linguagem. A Estética da indiferença é Política em todos os sentidos: Sight, Hearing, Taste, Smell e Touch.
Segundo livro da trilogia “Geronimo”, A Estética da indiferença desassossega com seu trinado irônico e radicalmente político. A partir do tédio dos indiferentes, como na escrita de um Alberto Moravia sobre a vida burguesa, Sidney Rocha nos entrega, livre da pena do escândalo da literatura hiper-realista brasileira, um livraço que desmantela a linguagem dos condôminos premium.
E não há, Hana, roteiro ou imaginação ao modo Madame Bovary que tire a maquiagem entediada do mundo. O rouge da aventura faz apenas corar diante da rotina dos lares, por mais confortáveis que sejam.
O Fernanflor do primeiro volume, não se engane, segue à espreita, com a sua ideia de beleza e invenção. Cuidado. É malassombro permanente no juízo.
À espera da conclusão da trilogia de Rocha, faço um escambo desvantajoso no sebo de Geronimo. Resta um mantra mais ou menos misterioso: “Melhor que o ouro é a astúcia de consegui-lo”.
XICO SÁ