A filosofia popular brasileira está nas ruas, nas experiências cotidianas e ancestrais, nos conhecimentos herdados e aprendidos nas encruzilhadas, nos terreiros e nos feitiços, na ginga dos malandros, nas veredas dos vaqueiros, nas saias das pombagiras. Saberes que vão tomando o seu espaço, desafiando os conceitos de uma história única e linear e se impondo frente a um conhecimento hegemônico e limitador.
Trata-se, portanto, de uma ativa proposta contra a colonização dos pensamentos e das ideias o que esses três pensadores e professores brasileiros apresentam em Arruaças, um livro povoado de histórias, aprendizagens e encantamentos.
Arruaças nos convida a conhecer a filosofia de boiadeiros, Marias Mulambos, Marias Navalhas, Estamiras, malandros, Zé Pelintras, Pomba¬giras, geraldinos e arquibaldos, pretas e pretos velhos. Do samba macumbado de Clementina de Jesus à filosofia queer de Joãozinho da Gomeia, reconhecemos o cumba como filósofo da linguagem, Tranca-Rua como filósofo das ruas, Mestre Pastinha como o filósofo negro da capoeira – sim, a capoeira é uma filosofia! Por suas páginas desvelamos conceitos tão caros ao nosso pensamento, como a encrenca das prostitutas polacas, ou reconhecemos a filosofia política de Tupinambá e Tibiriçá.
Mas Arruaças não é apenas um livro de filosofia, é um livro maior. É palavra que inscreve a legitimidade de nosso pensamento, porque, como diria o outro (Deleuze), há coisas que dão a pensar mais que a própria filosofia. Na encantaria ou na roda de mentira em Madureira, nos encontros improváveis entre Kafka e Exu, Madame Satã e Espinosa, o pensamento, a filosofia popular brasileira, vai se desvelando a cada linha, com seus fazeres e sabenças, é Ogum Beira-Mar com sua guia de sereia tentando debelar o quebranto colonial.
"Arruaça é também uma guerra em que os modos populares têm, como tática, artimanhas não convencionais. O Brasil das sinhás, sinhôs e de toda carga imantada por eles é aquele que precisa ser rasurado pela brasilidade dos viventes que para aqui se bandearam. Seja nas matas, praias, esquinas, rodas, improvisos, várzeas e recantos onde tocam-se tambores, há inúmeras formas de ir ao campo de batalha. Riscando pólvora na rua, botando o corpo na praça ou se emaranhando nos buracos desse chão, existe um infinito repertório de fazeres que nutrem a existência da brasilidade."