Inspirado nos cursos e anotações sobre o Cristianismo das origens de Martin Heidegger, o livro faz uma relação entre fenomenologia e Idade Média com base no paradigma da descoberta do mundo de si-mesmo (Selbstwelt), que é também a morada de Deus. Uma das questões fundamentais colocadas por Heidegger em sua releitura do Livro X das Confissões de Agostinho, mas posteriormente abandonada, é a estreita relação entre procura de Deus e facticidade da alma: na busca (religiosa) de Deus impõe-se inexoravelmente a questão (ontológica) da ipseidade: “Na procura de Deus alguma coisa em mim não somente vem à ‘expressão’, mas isto constitui minha facticidade e a maneira pela qual eu cuido dela” [...] Na procura deste algo como Deus eu mesmo passo a desempenhar um papel totalmente distinto. Não sou somente aquele do qual parte a procura, ou em quem o procurar se produz, mas própria realização da procura é algo dele mesmo. Que quer dizer eu 'sou'?” (M. HEIDEGGER, Fenomenologia da Vida Religiosa, 174). Essa aproximação entre fenomenologia, metodologicamente ateia em suas origens, e mundo medieval, onde é impossível uma epoche teológica entre os medievalistas, é paradoxal, mas não impede a prática fenomenológica da filosofia medieval. A convicção que subjaz aos capítulos desse livro é a seguinte: o acesso às experiências religiosas ou místicas dos medievais não está fechado para o leitor que deseja “voltar às coisas mesmas”. O “modo de ser vivido” dos medievais pode ser repensado à luz da historicidade da vida, donde emerge a concepção qualitativa do tempo, a única que permite captar corretamente o histórico: “A religiosidade cristã vive a temporalidade como tal”, afirmou Heidegger na década de 1920. O livro mostra, portanto, com base no estudo da fenomenologia da religiosidade cristã ocidental, a necessidade hermenêutica de reconhecer a originariedade do eu histórico e de suas manifestações: descrever fenomenologicamente é atingir o eu histórico que existe interpretando seu mundo que é também a morada de Deus.