Gosto se discute, sim. E Montesquieu o faz com clareza e precisão neste ensaio inicialmente pensado para a Enclycopédie, o livro máximo do Iluminismo. Buscando identificar em si mesmo as sensações provocadas pela contemplação de uma obra de arte — pintura, arquitetura, teatro e refletindo sobre os recursos empregados pelo artista para causá-las, Montesquieu esboça neste ensaio um esquema descritivo do gosto que se revela válido não apenas para sua época como para a atualidade.
Para além do gosto, Montesquieu queria conhecer o mecanismo estimulador do prazer, pois nele via a manifestação mais completa da alma humana. Nesse processo, Montesquieu apresenta o gosto e o prazer como os instrumentos pelos quais o indivíduo cumpre seu primeiro e talvez maior compromisso consigo mesmo: ampliar a esfera de presença de seu ser. Este volume inclui um posfácio de Teixeira Coelho no qual se discutem desdobramentos contemporâneos de questões recorrentes relativas ao gosto: o que necessário para "ter gosto", gosto se adquire, o gosto pode ser alterado, o gosto pode alterar alguma coisa, alterar o modo de ser?
Convidado em 1753 a colaborar com um verbete sobre a Democracia e o Despotismo para a Encyclopédie, dirigida por D'Alembert e Diderot, Montesquieu, o mesmo autor de O espirito das leis, decisivo para a moderna ideia de governo democrático responde que preferia fazê-lo com uma reflexão sobre... o gosto.
O interesse de Montesquieu (1689-1755) pela arte e o início da formação de seu gosto artístico foram relativamente tardios. Visita Viena e depois percorre a Itália entre abril de 1728 e julho de 1729 e é durante essa viagem que escreve a uma amiga para dizer que "desde que estou na Itália abri meus olhos para artes das quais não tinha ideia alguma". A partir desse momento, Montesquieu anotará diversas observações sobre a percepção da arte e a constituição do gosto que mais tarde organizará na forma deste ensaio sobre o gosto, deixado inacabado quando morre e como tal incluído no tomo VII da Encyclopédie, publicado em 1757.
Os editores do grande livro destacam que o texto de Montesquieu estava sendo publicado apesar de imparfait, isto é, inacabado. O fato é que, mesmo nessa condição, de resto talvez inevitável em todo escrito sobre o tema, O Gosto toca em pontos essenciais dos modos pelos quais uma composição artística passou a ser organizada desde a Renascença, cujas obras exponenciais Montesquieu conhece em sua viagem à Itália. Toca nesses pontos e nos tópicos essenciais do gosto correspondente, isto é, como escreve Montesquieu, nos modos pelos quais o espírito retira prazer daquilo que vê.
O prazer será na verdade o tema central do O Gosto, como se percebe da simples leitura do índice da obra. Como consegui-lo, como estimulá-lo, como mantê-lo, como não perdê-lo de vista: é isso que Montesquieu procura entender, o que faz de uma maneira que se revela própria não apenas para sua época como, também, para a atualidade. O gosto não é algo que, a Montesquieu, interesse em si mesmo: o objetivo é ver como pode o gosto levar ao prazer, à consciência do prazer e, afinal, à felicidade, dois tópicos que gradativamente foram desaparecendo das discussões sobre a arte depois que os estudos sobre a mais formal (e por vezes empolada) estética substituíram aqueles mais simples, talvez mais vitais, sobre o gosto.
E é numa linguagem simples que Montesquieu fala do gosto para discutir a maior obrigação que o ser humano tem consigo mesmo, naquele momento como hoje: aumentar a esfera de presença de seu ser.
No posfácio "Esboço do prazer (Ensaiando imperfeições)", Teixeira Coelho, que propôs a publicação deste volume, situa o contexto em que Surge O Gosto e o põe a dialogar com autores e teorias contemporâneas, mostrando sua relevância, ampliando a discussão do campo do gosto para o da sensibilidade e dela extraindo consequências para os programas artísticos, a filosofia da educação e as políticas culturais. Questões do tipo como ter gosto e "como saber se tenho um gosto" são aí abordadas, num texto que examina ainda a limitação da ideia de "imperfeição” nas conversas sobre a arte sem deixar de apontar as limitações inevitáveis no ensaio de Montesquieu.
Neste volume de linguagem simples e elegante, o que fica evidente é que gosto se discute, sim.