No início dos anos 1960, na França, um jovem filósofo publica seu primeiro livro, como parte das obrigações do seu doutoramento, e dá início a um dos mais ricos percursos ocorridos nessa área, nesse século. Trata-se de Michel Foucault e de A história da loucura, que inauguram um procedimento inédito, contrapondo-se fundamentalmente à fenomenologia sartriana, com a sua ênfase no sujeito e na liberdade deste. Foucault apresenta as epistemes e suas rupturas, que evidenciam o quanto o sujeito, trans-histórico, é uma construção; e a análise discursiva, que, ao pôr o foco na linguagem, nas regras de enunciação daquilo que historicamente foi dito, e não no quanto há de verdade no que foi dito, elimina qualquer tematização de uma liberdade. Essa metodologia se aperfeiçoou nos trabalhos seguintes do autor e acabou por lhe dar a capacidade de rever toda a concepção daquilo que seria o papel do intelectual na sociedade, inclusive lançando um questionamento a respeito de como o tipo mais comum, o que se concebe, à la Sartre, como a “consciência das massas”, acaba por se tornar uma peça chave nas estratégias que visam à manutenção de estruturas de poder. São precisamente essas estruturas que se tornam o objeto da atenção desse pensador e é, então que, novamente, surge algo original, quando se passa a evidenciar o poder não no que ele tem de “verdade”, mas no seu exercício, cotidiano, capilar, no que ele tem de “jogo”, enfim. Existem tecnologias de poder, que podem ser descritas; logo, é possível se pensar em novas tecnologias, outras tecnologias. Eis que, então, no fim dos anos 1970, reaparece na obra desse pensador este conceito que havia sido tão combatido na juventude: a liberdade, com o seu irmão siamês, o sujeito. A liberdade ressurge, entretanto, sem capitulações, somente como a coroação de um percurso que sempre foi político até a medula. O presente livro é o relato da destilação, lenta, dolorosa e, por vezes, errática, de um conceito por parte de um dos principais pensadores do Século XX; e uma tentativa de mostrar como esse pensador, tendo-a conseguido, encontrou seu lugar no olimpo da filosofia, fez as pazes com essa disciplina, encontrou a si mesmo, depois de ter, inclusive, corrido o sério risco de se perder, ao ter concebido a noção de biopoder, um outro conceito que ele mesmo criou.