"Dois amores, pois, fundaram “duas Cidades”, a saber: o amor próprio, levado ao desprezo a Deus, engendrou a Cidade terrena; o amor a Deus, levado ao desprezo de si próprio, a celestial. Gloria-se, a primeira, em si mesma, e a segunda, em Deus, porque aquela busca a glória dos homens e tem, essa, por máxima, glória a Deus, testemunha de sua consciência. Aquela fica ensoberbecida em sua glória e essa diz a seu Deus: “Sois minha glória e quem me exalta a cabeça”.
Naquela, seus príncipes e as nações avassaladas vêem-se sob o jugo da concupiscência de domínio; nessa, servem em mútua caridade, os governantes, aconselhando, e os súditos, obedecendo. Aquela, nos seus potentados, ama a própria força; essa diz ao seu Deus: “Amarei só a ti, Senhor, que és minha força”. Por isso, naquela, seus sábios, vivendo segundo o homem, têm buscado só os bens do corpo, ou aquele do espírito, ou ambos; e também aqueles que têm podido conhecer a Deus, não o têm glorificado como Deus mas desvaneceram-se em seus pensamentos e se tornou obscurecido o nésciocoração (...).
Na outra, ao contrário, não há sabedoria humana, mas piedade, que rende, ao verdadeiro Deus, o culto devido, e que espera, como recompensa na sociedade dos Santos — não só dos homens, mas também dos anjos — que Deus seja tudo em todos (...)."
Santo Agostinho, De civitate Dei, XIV, 29.