A história é clássica: uma tragicomédia de Shakespeare. O narrador, nem um pouco: um papagaio francês, de ar aristocrata. A ousadia da combinação é de Luis Fernando Verissimo, que se inspirou na peça Noite de Reis, para escrever A Décima Segunda Noite. Ou, como prefere definir o próprio Verissimo, seu novo livro é uma co-autoria entre ele e o bardo inglês. "Shakespeare forneceu a trama básica, e eu entrei com o resto", explica. Segundo volume da coleção Devorando Shakespeare, da Editora Objetiva, A Décima Segunda Noite atualiza o texto de mais de 400 anos com um formato ousado, narrado num fôlego só. Pelo bico do papagaio, Verissimo conta sua versão desta história. No texto original, o duque Orsino está apaixonado pela jovem condessa Olívia. Para aproximar-se dela, pede ajuda a uma moça, que sorrateiramente se passa por homem para trabalhar na Corte. O moço/moça vira mensageiro do duque, e aí começa uma série de desencontros. A bela Olívia acaba se encantando pelo mensageiro, que na verdade é ela, e que está apaixonada por Orsino, o duque. Na versão atualizada, Illyria, ilha inventada por Shakespeare para cenário da peça, se transforma num salão de cabeleireiro em Paris. É lá que trabalha o papagaio Henri, bisbilhoteiro, falastrão e capaz de citar Kierkegaard e John Lennon numa mesma frase. "Henri é pintado de verde e amarelo para ser uma peça de decoração brasileira num salão de beleza temático, e simboliza a dureza que é, para muitos, se manter em Paris ganhando pouco", explica Verissimo. O autor diz que, apesar das liberdades que tomou na adaptação de A Décima Segunda Noite, criando novos personagens e modificando situações, manteve os traços da comédia original de Shakespeare: "Os finais, tanto de Shakespeare quanto o meu, são felizes para a maioria dos personagens, principalmente para os namorados". Verissimo revela que escolheu o texto de Noite de Reis para participar da coleção Devorando Shakespeare por causa do filme Shakespeare Apaixonado, de John Madden. "Shakespeare está apaixonado por Viola e ela o deixa para ir tentar a vida no Novo Mundo. No fim do filme, desiludido, ele começa a escrever Noite de Reis pensando nela. Também porque é um bom exemplo de uma constante nas comédias de Shakespeare, a troca de sexos, o travestismo. O livro (o meu) é uma brincadeira com isto, tratado na peça original e também no filme", conta. Povoado por tipos parisienses, desde imigrantes que tentam a sorte grande, travestis que jogam futebol e brasileiros abastados a diplomatas misteriosos, A Décima Segunda Noite tem como cenário uma Paris que só o olhar aguçado de quem vive parte do ano por lá - como Verissimo - alcança. Ainda assim, seja na imaginária Illyria de Shakespeare, ou na França de Paris, Noite de Reis (que Verissimo preferiu chamar de A Décima Segunda Noite, tradução mais fiel do inglês original, Twelfth Night) continua um clássico atualíssimo.