São raros os romances ambientados no exílio de brasileiros durante a ditadura militar. A trama de Amores exilados, do consagrado romancista catarinense Godofredo de Oliveira Neto, vem preencher essa lacuna e mostrar como aqueles tempos cavernosos da história do Brasil, com tendências político-ideológicas em choque, podem explicar o país de hoje. Como o título anuncia, o romance é também uma história de amor, envolvendo um desesperado triângulo entre o catarinense Fábio, o baiano Lázaro — expatriados em Paris que integram a célula política Aliança Socialista Libertadora — e a francesa Muriel, que namora o primeiro e antes teve um caso com o segundo. “Amar no exílio potencializa a sensibilidade”, define Godofredo que, na mesma época em que se passa a ação do livro, estudou literatura na França.Lançado originalmente em 1997 com o título Pedaço de santo, o romance — prestes a ser adaptado para um filme — ganhou retoques textuais e a inserção de novos dados que acabaram por alterar a narrativa e a trajetória dos personagens, resultando em um livro completamente novo, numa linha conceitual já utilizada por escritores como Marguerite Duras e Autran Dourado. “Monet pintou a catedral de Rouen 40 vezes. Alguns desses quadros parecem absolutamente idênticos. Mas a ligeira modificação da luz e das cores torna cada quadro diferente um do outro. Acontece a mesma coisa na área do texto literário”, comenta o escritor.Nos anos 70, o fervilhar político francês contrasta com a opressão no Brasil, que vai se tornando distante, impossível. De algum modo, porém, a perda e a expropriação encontram consolo nas ruas, bares e outros espaços por onde os jovens circulam, cruzando com outros companheiros obrigados pelo arbítrio ou pela falta de perspectivas a deixar seus países. Vindos de regiões tão diferentes como a Bahia de Lázaro e a Florianópolis de Fábio, o Catarina, os dois brasileiros, forçados a deixar o país nos anos de chumbo do governo militar, dividem uma existência de desenraizados, distantes de família e amigos, com a francesa Muriel, espécie de autoexilada de seu passado no próprio país. Ao mesmo tempo em que acompanha o drama dos personagens, o livro repassa e discute os principais acontecimentos políticos da época — a ditadura militar brasileira, a situação de Cuba, a queda de Allende no Chile. Como bem define a crítica Beatriz Resende, que assina a orelha do livro, “a juvenilidade e o sensualismo que atravessam a narrativa de Godofredo de Oliveira Neto tornam o romance não só o depoimento de uma época, mas uma narrativa de seduções: da cidade, de idéias e, sobretudo, de Muriel Melusina”.Enquanto vive uma paixão avassaladora com a inconstante e enigmática Muriel, Fábio tem que lidar com as próprias indagações políticas, a militância, o exílio e ainda o ciúme e as inquietações. Até que se vê compelido a voltar ao Brasil para participar de uma ação terrorista, ao lado do ex-amante de sua namorada, e enfrentar seus próprios demônios, num acerto de contas desesperado. Mas “o exílio é um caminho sem volta, mesmo quando o exilado volta”, como defende Beatriz Resende. “A condição de exilado, o não pertencimento e a privação marcam de forma indelével, colam no corpo e na alma. O exilado é exilado para sempre, ainda que tente escapar dessa condição. A solidariedade tem limites, o desassossego ou a paranoia, não. Fantasmas do passado, de torturas de tipos diversos, atravessam e impossibilitam o presente”. Tanto para os exilados da pátria quando do amor.