Edição crítica e comemorativa organizada por Douglas Diegues e Adalberto Müller
Mar Paraguayo: a necessária discussão dos limites, o insistente desejo de desafiar geografias imaginadas que parece marcar o ethos da república guarani (& mais, segundo o autor, do Pará, Paraná, Panamá) é, sem duvida, a chave para a leitura da canción marafa de Wilson Bueno.De início, desconcertante pelo mix linguístico — guarani y castejanos, afros duros brasileños —, mix de melodrama barato e stream of counsciousness, mix feminino (?) borrado de rouge e baton e de sinistro fascínio por clones de la Sônia Braga e Nossa Senhora das Dores. Em seguida, surpreendente. Do lance de dados ao acossado juego-de-jugar desta novela, percebe-se que as coisas mudaram. De forma um pouco dissimulada pela encenação de um escrita convulsiva, compulsiva e sobretudo, urgente “para que no se rompa dentro las cordas del corazon”, este livro promove a declaração, subterrânea, da falência das fronteiras. Um autor — ou ator — performático nos sugere que é experimentando a vida no borderline da história e da linguagem na interseção das identidades nacionais, linguísticas, culturais e sexuais que talvez se possa melhor compreender a estranha matança del viejo, urdida, com prazer e guarânias, neste Mar Paraguayo.
Heloísa Buarque de Hollanda
Desdobra-se aqui, oguerojera, enfim. Lá se foram trinta anos sem uma reedição no Brasil desta obra-prima, obra-maior, obra-mar de Wilson Bueno, feita de cabo a rabo numa assombrosa sutileza experimental de pensamento, afeto e linguagem. Agora retorna a imensidão de Mar Paraguayo, como um verdadeiro clássico que permaneceu por tempo demais sendo de poucos, quando é coisa que devia estar em toda prateleira, das bibliotecas públicas e privadas, numa literatura que transcende as tradicionais barreiras nacionais de língua, porque Mar Paraguayo é também muito mais do que literatura brasileira: é uma das portas para viver culturas latino-americanas a partir do convívio inventivo das diferenças. Como uma flor de alegria que desponta mais uma vez, porque renasce em novos prazos, a aventura de Bueno chega com edição crítica, revisada e anotada de Douglas Diegues e Adalberto Müller, dois escritores que vivem na pele as multilínguas das tríplices fronteiras. Que seja também mais uma onda que nos leve ao continente pouco explorado de uma língua linda: ñe’? porãité.
Guilherme Gontijo Flores
Wilson Bueno nasceu em 13 de março de 1949, em Jaguapitã, interior do Paraná, mas foi criado em Curitiba, onde começou a escrever e a publicar seus primeiros textos. Poeta, escritor, cronista, jornalista, publicou mais de 16 livros em quarenta anos de trabalho literário. Aos 16 anos foi contratado pelo jornal Gazeta do Povo, da capital paranaense. Aos 18 anos, muda-se para o Rio de Janeiro, mas continua a escrever crônicas para o jornal de Curitiba. Aos 23 anos, começa a trabalhar na Rádio Globo, onde foi chefe da redação, depois passa a trabalhar no jornal O Globo, e ainda encontra tempo para fundar um suplemento, na Tribuna da Imprensa, em meio ao horror dos anos Médici, como ele dizia, único espaço contra a ditadura militar em um jornal de circulação diária. Voltando a Curitiba, monta, com o poeta Reynaldo Jardim, o jornal Curitiba Shopping, que edita do 3º ao 79º número. Foi assessor de imprensa do Teatro Guaíra. A convite de Sergio Vieira Chapelin, trabalha no SBT, e se muda novamente para o Rio de Janeiro. Quando Chapelin volta para a Globo, Bueno regressa a Curitiba. Trabalha no Jornal do Brasil, na revista Idéias, assina crônicas dominicais no jornal O Estado de São Paulo e colabora com regularidade no caderno cultural do mesmo jornal. Na internet, colaborou com a revista Trópico, do site UOL. Foi editor do glorioso Nicolau, tabloide cultural publicado pela Imprensa Oficial do Estado do Paraná, que circulou gratuitamente em todo o Brasil e em outros países, recebendo prêmio em São Paulo, da APCA, e em Nova York, prêmio IWA, concedido pela International Writers Association, como melhor jornal cultural do Brasil. Publicou crônicas semanais também no já extinto Correio de Notícias, de Curitiba, durante vários anos, e em jornais de outras cidades do Paraná, como Folha de Londrina. Atualmente sua obra é estudada por especialistas em relevantes universidades brasileiras e do exterior. Seu primeiro livro, Bolero’s Bar, uma coletânea de contos, crônicas e pastiches, de 1986, tem apresentação assinada pelo poeta Paulo Leminski. Em 1989, Wilson Bueno recebeu da União Brasileira dos Escritores o prêmio de Personalidade Cultural Brasileira, segundo Bueno, concedido graças ao seu trabalho no Nicolau. Outro prêmio foi o troféu Parahyba, um dos mais importantes e tradicionais do nordeste. Em 1991, publica Manual de Zoofilia, em edição artesanal, de pequena tiragem, sob os cuidados do poeta tipógrafo Cleber Teixeira, da Editora Noa Noa, de Santa Catarina. Em 1992, publica a novela Mar Paraguayo, aos cuidados de Samuel Leon, da Editora Iluminuras, uma obra que também expandiu as geografias linguísticas da literatura brasileira, e teve reconhecimento nacional e internacional. Em 2007, A Copista de Kafka, e em 2011, Mano, a Noite Está Velha, foram premiados pela APCA. No dia 31 de maio de 2010, ocorre a trágica morte de Wilson Bueno: crime de latrocínio (assassinato seguido de roubo) cometido por um garoto de programa, réu confesso, que respondeu ao processo encarcerado. O Tribunal do Júri reconheceu a culpa imputada ao réu quanto ao homicídio, porém o mesmo foi absolvido — o que gerou indignação entre familiares e amigos, além da suspeita de homofobia no julgamento.