A poesia romântica é uma poesia universal progressiva. Sua determinação não é apenas a de reunificar todos os gêneros separados da poesia e estabelecer um contato da poesia com a filosofia e a retórica. Ela também quer, e deve, fundir às vezes, às vezes misturar poesia e prosa, genialidade e crítica, poesia artística e poesia natural...
Schlegel
Este livro é a tese de doutorado de Walter Benjamin escrita entre 1917-1919 em Berna, Suíça. Benjamin decidiu “fugir” para escapar do alistamento no exército alemão durante a Primeira Grande Guerra. Aproveitou a estadia na Suíça para escrevê-la, pois essa “convenção”, segundo suas palavras, era absolutamente necessária ao ingresso na carreira acadêmica, da qual teve de desistir mais tarde.
O texto se ressente dos limites impostos por essas condições de produção. Os leitores acostumados à prosa poética de Benjamin poderão ficar surpresos diante deste texto acadêmico e rebuscado; mas, se persistirem na leitura, descobrirão, como num instigante jogo de esconde-esconde, não só uma análise filosófica do primeiro Romantismo alemão, inovadora para a época, mas também alguns dos temas e dos conceitos prediletos de sua reflexão posterior. Com efeito, as afinidades entre Benjamin e os românticos são muitas; podem ser reagrupadas segundo dois eixos principais: primeiro, uma filosofia da linguagem que repousa sobre uma concepção não instrumental da linguagem e sobre uma teoria soteriológica da crítica e da tradução; segundo, uma filosofia da história que busca uma relação não meramente causal, mas de intensidade entre a verdade de uma obra e sua inserção histórica, no horizonte mais amplo de um “messianismo romântico” que deseja pensar, ao mesmo tempo, religião e revolução. Este último momento, tão essencial para o futuro Benjamin, só aparece nas entrelinhas desta obra, numa ascese certamente imposta pelo gênero “tese de doutorado”, mas também autoescolhida por um autor desde sempre avesso a especulações apressadas e generalizadoras.
Em compensação, os estudiosos da filosofia da linguagem e da arte encontrarão aqui a exposição detalhada de vários conceitos-chave, comuns ao Romantismo e à filosofia benjaminiana: Prosa e Poesia, Tradução, Exposição, Ideia e Ideal, enfim, Crítica. Uma leitura atenta não deixará de notar também as diferenças entre ambos os pensamentos, notadamente no que diz respeito ao conceito central de crítica. Comentando Friedrich Schlegel, Benjamin afirma que esta não é “julgamento, mas antes, por um lado, acabamento, complemento, sistematização da obra e, por outro, a sua dissolução no absoluto”. Ele deverá se lembrar e, também, tomar distância dessa bela definição alguns anos mais tarde, na época em que redige seu ensaio sobre As afinidades eletivas, de Goethe, quando escreve numa carta a um amigo: “Crítica é mortificação das obras” – uma declaração decisiva para a elaboração do seu futuro trabalho sobre o drama barroco alemão.
A cuidadosa tradução de Márcio Seligmann-Silva não esconde do leitor brasileiro as dificuldades deste texto denso e complexo do jovem Benjamin; mas as excelentes notas do tradutor deverão facilitar o acesso a esta obra essencial tanto para os estudiosos do Romantismo alemão quanto do pensamento de Benjamin. Se, num primeiro momento de fascínio, a recepção do autor no Brasil nem sempre conseguiu escapar de certos modismos, que esta tradução possa levar a uma nova fase de pesquisas na qual entusiasmo e sobriedade se apoiem mutuamente, como na poesia inspirada de Hölderlin e nos ensaios críticos de Benjamin.
Jeanne Marie Gagnebin