Esse livro está sendo escrito num momento difícil de nossas vidas. A situação de pandemia de covid-19 tem nos privado do contato pessoal físico e presencial, o que representou um golpe nas relações entre as pessoas. Por coincidência, a ocitocina (OT), tema desse livro, tem papel fundamental na organização de nossa vida social e na criação de laços afetivos. A OT é um hormônio cerebral típico dos seres mamíferos, seres humanos inclusos, e, após sua descoberta, caiu no gosto popular e tornou-se conhecida como o “hormônio do amor”, dando origem a uma série de informações sensacionalistas e com pouca profundidade científica, o que esperamos ajudar a corrigir com esse livro.
A OT faz parte de um grupo revolucionário chamado neuropeptídeos, cujos estudos com seres humanos começaram apenas em 2000, o que torna um estudo científico muito recente e em desenvolvimento. Atualmente, sabemos que a OT tem papel essencial em inúmeras áreas, cujos detalhes serão apresentados ao longo do livro: comportamentos sociais em geral, apego, regulação do afeto, homeostase, qualidades antálgicas (analgésicas), cicatrizantes e regenerativas, assim como na produção de estados de calma, bem-estar, confiança, segurança, realização e felicidade, apenas para mencionar alguns. Em razão de a escala de produção ser maior na mulher, ela é conhecida, de forma pouco precisa, como um hormônio feminino, em virtude de a mulher exibir um aumento expressivo na produção de OT ao final da gestação e durante o trabalho de parto, que será mantido no cérebro da mãe e também no do bebê durante, aproximadamente, os três primeiros anos de vida da criança. A maior disponibilidade de OT no cérebro da mãe e do bebê cumpre o papel de favorecer o desenvolvimento de uma relação especial entre ambos, mediada por processos de apego afetivo-emocional e de maternagem (cuidados dispensados ao bebê). O apego e os cuidados maternos, por sua vez, contribuem diretamente para o desenvolvimento das estruturas cerebrais. Observem como, já aqui, um fenômeno psicológico (apego afetivo-emocional) tem influência direta sobre o desenvolvimento neurobiológico do ser (desenvolvimento cerebral). A produção simultânea da OT e dos comportamentos próprios do apego colaboram para a criação de uma ligação amorosa intensa entre mãe e bebê, e esse será o veículo para um processo de regulação afetiva entre ambos.
Quando a OT é produzida no corpo, um estado afetivo de bem-estar e conforto tende a se instalar na pessoa. Seria uma situação equivalente à reunião de uma criança com a mãe. Quem já tentou se alimentar após uma forte contrariedade ou problema afetivo sabe bem que não se tem fome, não se consegue engolir a comida e que, se conseguir, a digestão pode ser bastante conturbada. A OT também apresenta importante função na restauração do organismo de adultos após situações de estresse, inflamações e esgotamento físico/mental extremo na vida profissional, a chamada síndrome de burnout. Em situações de danos corporais, a OT ajuda a acelerar a restauração de tecidos corporais danificados e a cicatrização de lesões. Além disso, a OT tem efeitos antálgicos, ou seja, que diminuem a intensidade da sensação de dor. Estar acompanhado por uma pessoa amorosa, que possa confortar o outro durante um procedimento invasivo, geralmente, diminui sua dor e sofrimento.
Por abranger um escopo tão amplo e importante de efeitos relacionados à produção de OT, esse livro é endereçado aos estudantes de psicologia, medicina e demais profissionais da saúde, e também ao leitor leigo interessado nas ciências da vida. Evitarei, assim, usar uma linguagem excessivamente técnica ou acadêmica, para facilitar a compreensão do texto. Ao longo deste livro, contarei como se desenrolou o conhecimento a respeito da OT, desde sua descoberta, no início do século XX, até hoje, e como se deu essa trajetória no exterior e no Brasil. Falarei, também, sobre suas fundamentais implicações para a saúde mental e física das pessoas, inclusive no tratamento de transtornos psiquiátricos, embora as pesquisas nessa área ainda sejam inconclusivas. Serão explicadas as novidades mais recentes na pesquisa e quais tecnologias colaboraram para que essas descobertas ocorressem. Vou discorrer, ainda, sobre a situação da produção científica sobre a OT no Brasil e na América Latina e, finalmente, narrarei minha trajetória e acidentes de percurso no estudo e nas pesquisas nessa área. Apresentarei, finalmente, a pesquisa-piloto para fins de doutorado, realizada no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), intitulada “Estimulação natural da ocitocina e regulação do afeto: uma investigação em mulheres de meia-idade na cidade de São Paulo”, e a tese de doutorado realizada no Instituto de Psicologia da USP, com colaboração do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), intitulada “Relações entre ocitocina, apego e sono em pessoas com transtorno de ansiedade generalizada”.
Espero que vocês gostem do livro e também que consigamos nos reinventar socialmente, neste cenário pandêmico em que nossos