Paulicéia Desvairada + Losango Cáqui + Clã do Jabuti - os anos 20 de Mário de Andrade é um livro-homenagem a uma das figuras de proa da Semana de Arte Moderna, movimento cujo centenário se dá em 2022. Para além de toda a importância do evento, que deu novos ares às artes no Brasil e transformou significativamente a nossa vida cultural, a publicação desta coletânea homenageia uma das figuras que mais se empenhou na defesa de uma tradição estética voltada para a realidade brasileira.
O livro apresenta a produção poética do autor na segunda década do século passado – Pauliceia desvairada (1922), O losango cáqui (1926) e Clã do jabuti (1927) – e, como posfácio, quatro artigos do início dos anos de 1940, em que Mário procede a uma reflexão sobre o movimento modernista, repensando muitos de seus aspectos e assinalando as mudanças na sua concepção da arte literária da Semana de Arte Moderna àquele momento.
Os três livros, cada um a seu modo, oferecem um retrato claro da ars poetica de Mário na fase inicial do Modernismo. Já os artigos representam um balanço da fase heroica, escritos pelo autor em rememoração ao que foram, na época, os vinte anos de realização da Semana.
Pauliceia desvairada é um retrato crítico-afetivo de sua cidade, satirizada em todos os seus aspectos (“Ode ao burguês”, “As enfibraturas do Ipiranga”), mas ao mesmo tempo vista com simpatia (“Inspiração”, “Rua de São Bento”, “Domingo”, “Paisagem no 3”). Na forma, explodem algumas das conquistas do Modernismo heroico: versos brancos, rimas livres e um ritmo predominantemente interior, acompanhado de frequentes questionamentos à gramática lusitana.
Composto em 1922, mas publicado apenas quatro anos mais tarde, surge O losango cáqui, em que o autor declarou expressar o seu sentimento “possivelmente pau-brasil e romântico”, ao contrário de Pauliceia desvairada. O livro foi tido por críticos e poetas como uma das maiores expressões líricas do autor (“Flamingo”, “As moças”, “Toada da esquina”) e um de seus momentos de maior preocupação na poesia com a questão da brasilidade (“Parada”, “Louvação da emboaba Tordilha”), tanto do ponto de vista temático quanto da expressão linguística, marcada neste último caso pelo maior afastamento da sintaxe lusa e pelo uso crescente de coloquialismos.
Em Clã do jabuti sente-se, de maneira mais intensa, sua preocupação com a cultura brasileira, que iria pouco mais tarde constituir o eixo central de Macunaíma. Aqui são frequentes os poemas sobre a vida brasileira, como “Carnaval carioca” e a história da Serra do Rola-Moça, ou ainda sobre aspectos da cultura do país, como “Toada do Pai-do-Mato”, que relata uma lenda dos índios parecis. Neste livro, mais ainda do que nos anteriores, a linguagem se mostra cada vez mais desligada dos padrões da gramática lusa e já se observa com frequência um dado que será amplamente desenvolvido em obras posteriores: o emprego de termos de todo o Brasil e de procedências bastante diversas.
Em sua reflexão a posteriori sobre o Modernismo, Mário afirma que o que caracterizou acima de tudo o movimento foi a fusão de três princípios que ele considerou fundamentais – o direito à pesquisa estética, a atualização da inteligência artística brasileira e a estabilização de uma consciência criadora nacional – e, em seguida, discorre sobre a permanência desses aspectos na vida intelectual brasileira.
Com a publicação de Paulicéia Desvairada + Losango Cáqui + Clã do Jabuti - os anos 20 de Mário de Andrade, a Editora Oficina Raquel faz retornar ao público textos que já não eram publicados com tanta frequência, como O losango cáqui e Clã do jabuti, homenageia o autor, cujo falecimento se deu há 77 fevereiros atrás, além de contribuir para as comemorações do centenário da Semana de 22 – marco incontornável para a história das artes no Brasil.