A poesia de Anabelle Loivos não diz meias palavras, está ali onde as mulheres aprenderam a ser sujeitos (não mais assujeitadas) do corpo, do sexo, da solidão, da memória e da própria arte que se constitui através da poesia. Seu livro Pura, puxa, puta: poesia!, entremeado de cenas atravessadas de humor e de alguma melancolia, lembram e se inscrevem na nossa pequena tradição feminina de poetas-mulheres da língua portuguesa: Gilka Machado, Florbela Espanca, Cora Coralina, Adélia Prado, Adília Lopes. Com algumas diferenças, é claro. Anabelle está em 2019 – e ainda que isso signifique muito retrocesso no Brasil – e pode confrontar lírica e pedagogicamente o poder falocêntrico de que se constitui o masculino que só se compreende possuidor das totalidades, das certezas e dos símbolos de dominação e colonização. Neste sentido, sua escrita é pura “Ensinança” porque tem “fome de justiça” e se constitui pela tenacidade de ser capaz de articular brados inclusive em “Depois das Trompas de Falópio”, poema através do qual conjura a dor mensal das dismenorreias: “Que cada espasmo tenha valido a pena/ Pois a barriga não é pequena/ E a vontade de berrar é muita”.Há, portanto, uma poética visceral em Anabelle, pois há a escrita de uma pele, de um útero que descama, de uma “gramática do meu corpo” que está grávida de singularidades e exceções. A escritora francesa Hélène Cixous lembra, em seu famoso ensaio, O riso da Medusa, que a escritura nela é aquilo que altera, destroça o si-mesmo, fazendo-a procurar a potência do Outro que há em si. É nesse intervalo que Pura, puxa, puta: poesia! se localiza, porque neste livro o que há é a assunção de um desejo, de uma força criadora que se assusta inclusive diante de si, como na Crônica de mãe, puta mãe, em que a dinâmica da pulsão vital se impõe através da masturbação, ainda que haja solidão, ainda que haja descolamento da representação tradicional da maternidade assexuada quando se vê apartada da fusão mãe&filha. Porque “Não há metáfora mais completa pra essa fome que vem da sozinhez” e é fundamental que haja fome, ainda que haja solidão. E que haja fome de comida sim, claro, mas também de afeto, de escrita, de viagem, mas sobretudo fome de liberdade, como esclarece logo o título deste livro.Pura, puxa, puta: poesia! vem bem a calhar, pois é um livro que celebra a dor e a delícia da vida das mulheres, que reaviva a memória de nossas avós (leiam a beleza que é “Mãos de aluvião”, por exemplo) e de nossos corpos, às vezes amortecidos pela lógica da distopia de nossa era já acostumada às metáforas do Conto da Aia, de Margaret Atwood. Anabelle Loivos se inscreve, assim, como amazona (“Velhidades Pornoéticas”), montada no corpo das palavras que deram e continuam dando a ela a autenticidade da voz de uma mulher orgulhosamente imperfeita, como cada uma de nós.Tatiana PequenoEscritora e professora de literatura da UFF.