Publicado em 2019, originalmente em inglês, este livro de José Maurício Domingues apresenta uma investigação de fôlego, densa e rigorosa, sobre a configuração da modernidade política, em seus componentes imaginários e institucionais, e de seus desdobramentos, reais e virtuais, que hoje nos atravessam. Sem abstrair dos graves desafios que abalam a existência contemporânea, Domingues desenvolve uma análise acurada dos fundamentos jurídico-políticos e filosóficos da vida política moderna, com o objetivo de compor um diagnóstico do tempo presente – no qual se destacam a crescente oligarquização das estruturas políticas, o liberalismo e o fortalecimento do Estado – que permita a abertura de novas perspectivas de mudança e emancipação social.

O autor inicia a sua análise a partir do que se mostra como o princípio, por excelência, da modernidade política: de um lado, a diferença ou cisão entre o caráter concreto das relações políticas entre os indivíduos, e, de outro, o caráter abstrato, apolítico, de uma razão universal na qual os indivíduos, enquanto cidadãos livres, são igualados, numa condição de todos e ninguém, como pessoas abstratas detentoras de direitos universais. Uma individualidade cindida, como Domingues enfatiza, passa a se constituir como uma categoria ou forma social; nela as pessoas se veem e enquadram seu ambiente. Algo novo emerge desta cisão: uma lógica da cidadania, em que se tecem os traços universais dos direitos civis, ainda que longe de abranger o todo de uma população.

A partir deste núcleo problemático, são vários os desdobramentos que organizam a trama deste belo e consistente livro de Domingues, que nos fala de uma chance, que se insinua na história, de seguir para além do liberalismo em direção à democracia radical. Esta última não se confunde com algum tipo de regime político de fato ou por vir. Trata-se, como diz, da verdadeira alma da democracia, que pode se corporificar em tipos específicos de regime em que, então, os atributos democráticos se tornem mais profundos do que qualquer coisa que até hoje tenhamos conhecido. Um projeto que não se reduz à lógica da simples negação do liberalismo, mas, antes, o problematiza enquanto cenário complexo do existir contemporâneo.

— Paulo Cesar Duque-Estrada (Departamento de Filosofia – PUC-Rio)