SINOPSE
Em WALTER BENJAMIN E A GUERRA DE IMAGENS, Márcio Seligmann-Silva toma o autor berlinense como guia para fazer um contraponto entre as crises políticas de sua época (de ascensão do nazifascismo) e da nossa (de ascensão da extrema direita), abordando a guerra de imagens e narrativas em que estamos mergulhados e para propor uma saída da necropolítica por meio de novas visões antilineares da história, como a ameríndia, de um lado, e a crítica radical das ações coloniais ou do artista anarquivador, que reconstroem uma outra memória da história, atribuindo novos significados para velhas e novas imagens, por outro.
QUARTA-CAPA
Walter Benjamin e a Guerra de Imagens revisita a obra benjaminiana em sua relação com outros pensadores, da República de Weimar à atualidade, realizando uma abordagem de dupla temporalidade, a que está na gênese da obra do autor berlinense e a nossa. Márcio Seligmann-Silva destaca, ainda, as afinidades eletivas entre os anos 1930 – quando Benjamin produziu a maior parte de sua obra em plena era da gestação e implantação do nazifascismo – e o presente, marcado por um sistema capitalista cada vez mais sem freios, associado a um projeto de anulação dos que foram e ainda são “outrificados”, seja pela colonialidade, seja pela guerra “ao terrorismo”. Uma dinâmica que engendra governos, políticas e dirigentes neofascistas. Em uma palavra, produz-se a necropolítica, em um mundo no qual muros reais são erguidos por toda parte.
De outro lado, atualizando a concepção epistemológica e política de Benjamin, com seu intrínseco acionismo, Seligmann-Silva aproxima a poderosa visão benjaminiana da construção a contrapelo da história a uma concepção de guerra de imagens. O brutal assassinato de George Floyd desencadeou uma onda de revisionismo dos monumentos, contestando a paisagem política urbana existente. Nesse cenário, o autor destaca que as epistemologias ameríndias, com novas possibilidades de narrativa, projetos e sonhos, são capazes de fazer explodir a visão linear da história. As teorias benjaminianas das imagens – da fotografia e do cinema –, da história e das cidades são relidas no âmbito dessa guerra.
TEXTO DE ORELHA
Poderíamos pensar na vida moderna e na sua divisão entre o público e o privado. E, dentro do privado, podemos acrescentar a divisão entre a esfera familiar e a íntima. Os totalitarismos, com a onipresença do Estado (relatada em 1984 de Orwell), reduziram a esfera privada a quase nada. Tudo era arquivado pelo Estado com seu olho onividente, e a esfera íntima era “estatizada”. Entretanto, as novas tecnologias estão embaralhando essas fronteiras de modo distinto. De início, oscilou-se entre duas possibilidades. Pensou-se que elas cumpririam o sonho de uma sociedade sem fronteiras, sem paredes, transparente, como já prometia a Bauhaus, com seus prédios de vidro (transparência comemorada por Benjamin e muitos vanguardistas). Por outro lado, acreditou-se [...] que essas novas tecnologias permitiriam um encastelamento no mundo privado. Com o computador, na qualidade de terminal de mega-arquivos, aliada à sua capacidade de comunicação, não precisaríamos mais nos deslocar para nos informar. [..] Pois bem, com a multiplicação dos terminais sob a forma de gadjets, os próprios terminais se tornaram nômades e sem lugar, ajudando a novamente romper as paredes das casas. No entanto, a transparência mostrou-se um tanto distópica. Na era do Face/Fakebook e do Instagram, ou seja, dos arquivos instantâneos do vivido (mas não da vida), assistimos a uma transformação na nossa relação com o arquivamento privado. A aparente abertura da vida, que romperia as fronteiras do público e do privado, na verdade serve, como a moda flagrada e despida por Eijkelboom, para estandartizar e controlar a diferença.
MÁRCIO SELIGMANN-SILVA
Doutor pela Universidade Livre de Berlim, pós-doutor pela Universidade Yale e professor titular de Teoria Literária na Unicamp. É autor de, entre outras obras, Ler o Livro do Mundo (Iluminuras [1999], 2020, vencedor do Prêmio Mario de Andrade de Ensaio Literário da Biblioteca Nacional em 2000), O Local da Diferença (Editora 34 [2005] 2018, vencedor do Prêmio Jabuti na categoria Melhor Livro de Teoria/Crítica Literária), A Virada Testemunhal e Decolonial do Saber Histórico (Ed. da Unicamp, 2022) e de Passagem Para o Outro Como Tarefa. Tradução, Testemunho e Pós-Colonialidade (Ed. da UFRJ, 2022).
COLEÇÃO ESTUDOS
A coleção Estudos propõe-se a publicar ensaios críticos e pesquisas tratados em profundidade, com sólida argumentação teórica nos mais variados campos do conhecimento. A coleção forma, junto com a Debates, a marca de identificação da editora em nosso mercado.
DA CAPA
Imagem da capa: Marcelo Brodsky, Autorretrato Fuzilado. Plaza de San Felipe Neri, Barcelona.
Escreve o artista a respeito da imagem: “E´ curioso que, ao mostrar esta imagem aos amigos que partilharam o exi´lio, muitos deles se lembrem de ter fotografias semelhantes da mesma e´poca. Aparecemos baleados, crivados de balas, perseguidos… Parece que a imagem teria funcionado como uma forma de reconhecimento da situac¸a~o pela qual passamos e como um mecanismo para superar o medo.”
O QUE DIZ O AUTOR
Proponho aproximar essa poderosa visão da história (e seu projeto correlato de suspender essa história da destruição) às epistemologias ameríndias que têm nos iluminado nestes momentos de profunda crise e desilusão. Como apresento no primeiro capítulo, podemos e devemos estabelecer uma retroalimentação entre a tradição crítica representada pela obra de Benjamin e o pensamento plural ameríndio.
TRECHOS
A partir de Krenak, devemos aprender a perfurar nossos muros, a cavar pontes e túneis, a encher de poros uma sociedade e as mentes fechadas e programadas para um projeto entrópico, posto que aposta na exploração infinita dos recursos naturais.
Temos que sair de nossa “zona de conforto”, que se tornou uma “zona de desconforto”, pois estamos cavando o chão sob os nossos próprios pés.
A memória só existe no presente, entretanto, o artista trabalha com a multiplicidade de tempos e gerações envolvidos no seu trabalho de arqueólogo.
Por isso, o caráter destrutivo aniquila e não apenas destrói, pois: “O caráter destrutivo elimina até mesmo os vestígios da destruição.” Como o déspota genocida também não quer deixar traços de seus crimes… Além disso, como não se esforça por criar imagens, tampouco ele é criativo, antes ele é a encarnação do político: “O caráter destrutivo faz seu trabalho, evitando apenas o criativo. Assim como o criador busca para si a solidão, o destruidor deve estar permanentemente rodeado de pessoas, de testemunhas de sua eficiência.” Conhecemos bem demais esses políticos eficientes… podem matar mais de meio milhão de pessoas e continuar manipulando seus seguidores.
Benjamin nos textos dos anos 1930 deixa claro que, para ele, a tarefa do crítico era liberar o que poderíamos denominar “teor escritural” – ou seja, catastrófico – do real. Mais do que nunca, em uma época trágica como a vivida por Benjamin, essa essência traumática do real torna-se palpável – e, como em Freud, a sua teoria do conhecimento é derivada da vivência do choque que marca a modernidade, sobretudo desse período de sua dissolução. As suas análises críticas da sociedade se desdobram na sua teoria das novas mídias, tais como o cinema e a fotografia, cujos aparelhos são vistos a um só tempo como potenciais libertadores – do peso da tradição e do passado –, e como agentes de destruição. Eles incorporam o princípio do choque para aplicá-lo de volta ao real.
[...] diferentemente de Benjamin, cujo anjo da história também via a catástrofe no passado, mas era soprado pela tempestade do progresso (técnico), em Flusser o anjo da história vê a catástrofe no passado, mas aposta (como Pascal no deísmo) no deus da técnica: “Tenhamos confiança na técnica, trata-se da única coisa na qual podemos confiar ainda. As peão ao lado da ironia de Benjamin em relação a confiar na I.G. Farben (célebre conglomerado alemão que incluía Basf, Bayer entre outras empresas), no ensaio sobre o surrealismo. Entretanto, se observarmos com calma, perceberemos que Flusser estabelece um limite ao seu otimismo com a técnica: para ele, o humanismo e a confiança na capacidade de uso pacífico da técnica morreram. Ou seja: ambos filósofos constatam a concretude do progresso técnico e seu risco potencial.